CAPÍTULO I - PARTE II
O vulto que ria |
Acorda bruscamente arremessando o livro e as anotações que estavam no seu colo. Sua cama era espaçosa, mas ele estava muito no canto e por pouco não acertara seu abajur com o livro. Esfregou o olho com uma mão enquanto a outra pegava o livro e botava todas as folhas caídas no seu criado-mudo. Pegou também a ponta de seu edredom que caíra no chão e se ajeitou para voltar a dormir.
Não mais que quinze segundos depois, sua porta de correr bate bruscamente na parede e ele se levanta num pulo. – Hora de acordar! Já é tarde para um jovem.
– 30RHA no 2º QHI[1] não é tanto assim, vovô. – Nestore dormira pouco, sua pesquisa envolvendo o livro no criado-mudo lhe tomara todo o tempo de sono. – Ontem dormi tarde e o senhor está me importunando.
– Contanto que aos 32RHA esteja na mesa para o café está bem. – e saiu murmurando coisas como “no meu tempo todos acordavam no 30RHA e nem com um NHE a mais”.
Nestore se ajeitou novamente, mas percebeu que perdera o sono. Levantou-se, pôs uma camisa branca manga-curta de linho com gola e botões que abria no meio, uma gravata xadrez (tinha uma coleção delas) com um abotoador de gravata que seu avô lhe dera quando pequeno, vestiu uma calça marrom e botou os sapatos azul-escuros de sempre. Desceu até o segundo andar e fez cannacchi. Era de família o gosto por essa semente que se torrava, coava e assim se fazia uma bebida escura e amarga, mas que com açúcar ficava deliciosa. Ele preparava o cannacchi toda manhã enquanto seu avô preparava os bolos.
– Sobre o que é aquele livro no seu criado-mudo, Nestore? – seu avô, Nereo, tinha visto que Nestore tinha o trazido na noite passada. – Não via uma edição parecida com aquela faz muito tempo.
– Huh, é sobre História. O senhor não vai querer saber. – Nestore não queria responder e tinha seus motivos.
– Você e seu primo só pensam no maldito passado! Será que os tempos de hoje são tão desinteressantes assim?
Nestore soltou uma risadinha – Digo o mesmo ao senhor. Sempre fica reclamando dos tempos de hoje.
Nereo preferiu ficar calado.
Depois de um longo silêncio, Nestore comentou: – Acho que vou fazer outra viagem. Vou até a casa do meu primo e depois acho que vou até as Terras Coronas, em Thyfuna. Lá tem uma biblioteca...
– Às Terras Coronas? Você nunca foi para tão longe. Acho que nós lunys não somos bem-vindos lá – Nereo tentava esconder a sua preocupação – e geralmente você não sai daqui do planeta. Seu primo é louco de mandar você para tão longe.
– O primo não é louco e não foi ele que me mandou ir lá. E também, eu nem sei se eu vou. Antes tenho que falar com ele sobre...
– Quando pretende partir?
– Amanhã, talvez.
– Seria bom se ele fosse com você. – Nereo não podia mais esconder a preocupação.
– Sabe que ele não pode deixar a universidade. Seus alunos de história não poderiam se lecionar sozinhos.
– Eu me pergunto por que você não se muda logo daqui para a casa de seu primo! – Nereo era orgulhoso.
– Porque o senhor sentiria muito a minha falta. – Nestore falava sarcasticamente, mas sabia que era verdade.
Ele e seu avô tinham uma ligação muito forte. Quando era pequeno, cinco anos no máximo, seus pais morreram nas mãos de um ladrão que tentava roubá-los e Nestore ficou cego do olho esquerdo, por um tiro de raspão. Nereo o acolheu e o criou. Ensinou-lhe a forja, a luta com espadas, cuidou dele como um filho.
Sua casa na Vila Ruruni era espaçosa, de cinco andares: o porão como um gigantesco armazém tal qual a maioria das casas luny e no qual havia montes de bolos, de sacos de cannacchi e de canela e de vinhos, tal qual a maioria das casas luny; o térreo como uma pequena garagem, a sala de forja e a Armas Brancas do Azul (ou Brancazulada que era como se conhecia a loja e a casa pelas suas cores de paredes e telhado respectivamente[2]); o segundo andar como a sala de estar e a de jantar, a cozinha e um banheiro; o terceiro como as espaçosas suítes com espaçosas camas e uma biblioteca também grande em relação à casa, na qual Nestore passava muito do seu tempo lendo; a cobertura como um escritório e varanda com muitas plantas e duas espreguiçadeiras, que, no verão, em 57RHA no 2º QHI batia um sol agradável para se ler. A casa havia sido construída pelo avô da avó de Nereo.
Os Nakkio eram uma família antiga na Vila Ruruni desde quando Nii Nakkio[3], o construtor de Brancazulada e o membro ancestral da família do qual falávamos se mudou para lá. Ninguém sabe donde veio e Nii Nakkio nunca contou para ninguém. E agora também não é o momento de contar para você.[1] 3RHA equivale a 1h, 4QHI a um RHA e 100NHE a um QHI. Diz-se “30RHA no 2º QHI com 50NHE” apesar de ser tão usual falar os NHE como é usual falar os segundos. E o dia deles tem 92RHA.
[2] Os luny costumavam dar nomes as suas casas.
[3] Os nomes luny são compostos apenas por um prenome e um nome de família.
Segunda parte do primeiro capítulo de AOI. Atenção à primeira nota de rodapé, ela é importante!
I hope you have fun.
F Bonafini.
I hope you have fun.
F Bonafini.
Simplesmente amei a criatividade dos detalhes, como a das horas e o nome das casas. Demaais!
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